Fenômenos que produzem chuva no Maranhão
Por Andrea Cerqueira em 24 de fevereiro de 2023
Sistemas meteorológicos produtores de chuva no Maranhão durante o verão
No início do verão do hemisfério Sul, a atmosfera tropical da América do Sul começa a apresentar mecanismos peculiares que surgem em função da maior incidência dos raios solares ao sul da Linha do Equador. Esses mecanismos são responsáveis pela formação de circulações atmosféricas típicas da época e que são determinantes para a incidência de chuvas no Maranhão. Os principais mecanismos produtores de chuva no estado serão descritos a seguir levando em consideração a ordem de associação entre eles.
ALTA DA BOLÍVIA (AB) E CAVADO DO NORDESTE (CN)
No final de todos os anos surge uma circulação anticiclônica (anti-horária) de grande escala em níveis elevados da troposfera (camada mais baixa da atmosfera) sobre a região do Platô boliviano. Essa circulação é denominada de Alta da Bolívia (AB) e é uma característica típica do verão da América do Sul, contribuindo para o aumento das chuvas no Norte do Brasil, Centro-Oeste e parte do Nordeste. O surgimento e manutenção da AB está associada ao aquecimento continental, por conta do verão, e ao escoamento atmosférico em baixos níveis. Devido ao aquecimento dos níveis mais altos da atmosfera (em torno de 10 km de altura), ocorre a expansão da espessura atmosférica sobre o continente, formando assim um sistema de alta pressão. A AB é uma espécie de grande circulação de massa de ar em sentido anti-horário que tem um centro variando sobre alguns países da América do Sul. Possui intensidade máxima nos meses de dezembro a fevereiro e enfraquece nos meses de abril a maio, variando seu posicionamento entre a Bolívia, Peru, Brasil (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul) e Paraguai. Mais especificamente de dezembro a fevereiro a AB tem uma intensa variabilidade de intensidade e posição.
Em níveis mais baixos da atmosfera, devido ao anticiclone em altos níveis, é gerada uma condição de convergência de ventos úmidos, o que acarreta a formação de nebulosidade carregada (Figura 1) e episódios de chuvas. Contudo, apesar do domínio da AB ser sobre os pontos citados acima, ela influencia o tempo no Nordeste do Brasil, pois associada a ela, existe a formação de um Cavado (região da atmosfera onde a pressão é baixa em relação a sua vizinhança em mesmo nível) na região Nordeste do Brasil (o Cavado do Nordeste), também em níveis altos da troposfera. Esse cavado está localizado a leste da AB e se estende de noroeste para sudeste entre o continente e Oceano Atlântico (Figura 2). Quando a AB está bem configurada, em sua borda leste, o cavado se configura como se fosse um sistema que gira ao contrário (horário) e com características inversas aos da AB, isto é, em superfície há predominância de tempo aberto e sem ocorrência de chuvas.
É fato que existe uma ligação direta entre a AB e o Cavado do Nordeste (também conhecido como Baixa do Nordeste-BNE); a correlação entre a intensidade desses dois fenômenos é significativa, uma vez que o Cavado do nordeste também apresenta variação de posicionamento e magnitude, mas as consequências de sua presença, em baixos níveis, é uma acentuada movimentação descendente de massas de ar, inibição de nuvens verticalmente desenvolvidas e ausência de chuva.
O surgimento desses dois tipos de circulações atmosféricas sobre a América do Sul possui interação direta com outros sistemas meteorológicos que atuam de forma determinantes no regime de chuvas do Maranhão. Sendo assim, quando o cavado do Nordeste se fecha e provoca uma circulação ciclônica (sentido horário), há o surgimento de um dos fenômenos mais importantes na produção e inibição das chuvas no Nordeste do Brasil. O Vórtice Ciclônico de Altos Níveis.
VÓRTICE CICLÔNICO DE ALTOS NÍVEIS (VCAN)
O Cavado do Nordeste fecha suas isóbaras (linhas de mesma pressão atmosférica), e se transforma em um sistema meteorológico chamado de Vórtice Ciclônico de Altos Níveis, que a partir daqui chamaremos apenas de VCANs, os quais são caracterizados como sistemas meteorológicos compostos por centros de pressão relativamente baixa que se originam na alta troposfera e se estendem até níveis médios, dependendo da instabilidade atmosférica. Apresentam deslocamento lento tanto para leste quanto para oeste e possuem tempo de vida de poucos dias, em média 7 dias. Com um centro frio, movimentos verticais subsidentes no seu centro e ascendentes na periferia, nebulosidade intensa principalmente na direção do seu deslocamento, o VCAN pode tanto inibir como provocar chuvas intensas; isso vai depender do posicionamento do seu centro. Na imagem de satélite da Figura 3, tem-se o exemplo clássico de um VCAN com seu centro posicionado no continente (na Bahia) causando bom tempo; mas em suas bordas, pode-se ver nitidamente o arrasto da nebulosidade no sentido dos ventos do VCAN. Nesse caso, o Maranhão estava com nuvens carregadas associadas ao sistema.
Durante o verão austral, o VCAN é um dos sistemas meteorológicos que provoca grandes alterações no tempo do Nordeste do brasil. Com já discutido, ele está associado a grandes áreas de chuvas intensas, mas também está ligado com fortes estiagens na região. Tudo vai depender do posicionamento do seu núcleo, que é frio e apresenta movimentos descendentes de ar frio e seco. A Figura 4 mostra um escoamento atmosférico em altos níveis típico da configuração de Alta da Bolívia e o Cavado se fechando e gerando um VCAN; nesse exemplo o centro do sistema está próximo a Costa leste do Nordeste do Brasil.
ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL (ZCAS)
O auge da estação chuvosa sobre boa parte do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil ocorre entre dezembro e fevereiro, com início por volta de meados de outubro. Nesse período do ano, acompanhando o ciclo anual de chuva sobre a América do Sul, surge uma banda de nebulosidade e chuva, originada de convergência de umidade na baixa troposfera, com orientação noroeste-sudeste, que se estende desde a Amazônia até o Sudeste do Brasil e, frequentemente, sobre o Oceano Atlântico Subtropical. Essa área de convergência é denominada de Zona de Convergência do Atlântico Sul. Estrutura similar também é encontrada do Pacífico Sul. Embora seja um fenômeno típico de verão, a ZCAS apresenta variações em sua escala espacial, circulação e intensidade das chuvas. Por isso, em determinadas ocasiões alguns episódios causam eventos severos, alagamentos e transbordamento de rios no sul do Maranhão. Esse cenário é mais intenso quando ocorre um acoplamento de ZCAS e VCAN (Figura 5).
Um ponto a ser destacado, é que nem todos os episódios de ZCAS influenciam o tempo no Maranhão, uma vez que existe considerável variabilidade espacial desse fenômeno.
Estudos observacionais mostram que a ZCAS apresenta atividade convectiva da Amazônia até o Atlântico Sul, mas em outras situações, a ZCAS se estende apenas pela região Sudeste do Brasil. De forma análoga, observam-se algumas situações em que a atividade convectiva intensa a ZCAS persiste ativa por alguns dias, e em outros casos não. Esse fato pode estar associado, de forma remota, ao desvio do padrão de Radiação de Onda Longa (ROL) emergente durante o verão do hemisfério sul.
ZONA DE CONVERGÊNCIA INTERTROPICAL (ZCIT)
É considerada o sistema meteorológico mais importante gerador de chuva de chuva sobre a região equatorial dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, bem como as áreas continentais adjacentes a eles. É um sistema meteorológico visualizado em imagens de satélite como uma banda de nuvens convectivas que se estende em uma faixa ao longo da região equatorial (Figuras 6 e 7). Com relação ao Atlântico Equatorial, a ZCIT migra sazonalmente, em anos considerados normais, de sua posição mais ao norte (em torno de 14°N), durante agosto-setembro, para sua posição mais ao sul (em torno de 2°S), durante março-abril. Essa migração sazonal da ZCIT, associada aos fatores que causam o fortalecimento ou enfraquecimento dos ventos alísios de nordeste e sudeste, tem papel fundamental na determinação da estação chuvosa do norte do Nordeste do Brasil.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AYOADE, John O. Introdução a climatologia para os trópicos. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
CAVALCANTI, Iracema Fonseca de Albuquerque; FERREIRA, Nelson Jesus; DIAS, Maria Assunção Faus da Silva; SILVA, Maria Gertrudes Alvarez Justi da. Tempo e clima no Brasil. [S.l: s.n.], 2009.
SILVA, João Pedro Rodrigues; REBOITA, Michelle Simões; ESCOBAR, Gustavo Carlos Juan. CARACTERIZAÇÃO DA ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL EM CAMPOS ATMOSFÉRICOS RECENTES. Revista Brasileira de Climatologia. Vol.25, 2019.
TEMPO E CLIMA NO BRASIL/Iracema F.A. Cavalcanti…[et al.] organizadores. São Paulo: Oficina de Textos, 2009.